sábado, 5 de novembro de 2016

Os aspectos linguísticos da LIBRAS e da LP: semelhanças e diferenças tornando o ensino da modalidade escrita em LP mais significativo

Nós professor@s de Língua Portuguesa sabemos quão difícil é trabalhar essa disciplina com alunos ouvintes, usuários desta língua. Agora, imaginem trabalhar a disciplina com usuários de uma outra língua, a Libras, cujo canal receptivo não é a audição, mas a visão. Imaginaram? Pois é, é muito difícil ensinar, assim como é mais difícil ainda aprender tal língua em contextos tão adversos: nossa formação inicial que não contempla o ensino de Língua Portuguesa como L2 para surdos, falta de material adequado, metodologia que não colabora em nada com o processo de aprendizagem e escolas que se dizem inclusivas, mas que não correspondem ao que a legislação* fala sobre o assunto.

Na minha dissertação, reservei uma seção para refletir então sobre as diferenças e semelhanças (?) no aspecto linguístico destas duas línguas. Com esse material em mãos, nós professores de classes inclusivas e também de Atendimento Educacional Especializado, mesmo sem conhecimento profundo da Libras e de sua gramática, poderemos pensar em aulas que realmente contemplem a surdos e ouvintes no mesmo espaço e tempo. Vejamos então o que dizem Quadros e Karnopp (2004)** que embasaram a minha discussão sobre o assunto:


1. O primeiro aspecto a ser considerado é que a escrita dos surdos não segue as mesmas construções da escrita dos ouvintes, os quais utilizam como apoio a linguagem oral. Já os surdos fazem uso da LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais - no caso dos surdos brasileiros, uma língua visuogestual ou visuoespacial que, como qualquer outra língua, possui a sua complexidade, com semântica, sintaxe, morfofologia e estrutura e gramática próprias. No vídeo 1, veremos como surgiu a Libras e perceberemos, dentre outras coisas, que a Libras possui a sua própria gramática.(caso você não consiga abrir o vídeo, clique no link)







2. Assim como a Língua Portuguesa, a Libras é uma língua natural, como nos mostra o vídeo 2, o qual, assim como o Vídeo 1, nos conta um pouquinho da história da Libras no Brasil, bem como nos explica como se dá o ensino voltado a esse público a partir do bilinguismo.

3. Toda língua de sinal é capaz de expressar conceitos abstratos, podendo-se com ela discutir sobre qualquer tema, a exemplo de política, economia, matemática, física, psicologia, respeitando, como salientam, as diferenças culturais que vão determinar o modo como as línguas expressam qualquer conceito. Portanto, em classes inclusivas, acreditamos que o trabalho com a escrita deva aproveitar essa característica linguística da LIBRAS, a qual se aproxima da LP***, a fim de que, por meio da sinalização (surdos) e a oralidade (ouvintes), debates sejam fomentados acerca dos diversos assuntos que possam vir a se transformar em subsídio para futuras produções escritas, por exemplo. No vídeo 3, um exemplo de como, em Libras, podemos discutir sobre QUALQUER tema. Aqui, uma interpretação histórica, em Libras, da canção Carcará. Vejam:





4. Os sinais podem ser motivados (sinais icônicos e dêiticos), intermediários e ou arbitrários, e que a “iconicidade reproduz a forma, o movimento e/ou a relação espacial do referente, tornando o sinal transparente e permitindo que a compreensão do significado seja mais facilmente apreendida”.  Porém, esta é apenas uma das características da língua de sinais, havendo também a arbitrariedade, assim como nas línguas orais, uma vez que alguns sinais não representam associações nem mesmo semelhanças visuais com o referente.


5.  Assim como toda língua oral, as línguas de sinais não são as mesmas em países diferentes e em regiões diversas também. As mesmas razões que explicam a diversidade das línguas faladas também se aplicam à diversidade das línguas de sinais, ou seja, cada país apresenta sua respectiva língua de sinais, levando em conta as singularidades que nascem  de fatores geográficos e culturais, exatamente como acontece com as demais línguas. Nessas situações, vale levar para a sala exemplos de expressões em Língua Portuguesa que se diferenciam de uma região para outra, bem como de sinais da LIBRAS que também apresentam esta característica comum a toda língua. Sobre essa questão, rever o vídeo 1.


6. As línguas de sinais são de modalidade visuogestual e apresentam uma riqueza de expressividade diferente das línguas orais, apesar de não apresentarem elementos de ligação, como as preposições e conjunções. Abaixo, os vídeos 4 e 5 trazem a professora surda, Amanda Marques Fidelis, dando uma aula sobre artigo e preposição para surdos, mas, como percebemos, com esta aula, qualquer ouvinte compreenderá o assunto. Vejamos, então:





Nesse vídeo 5, exemplos de várias preposições e seus sinais:




7. Sobre o trabalho com frases, com os ouvintes, comparar a entonação de voz em leituras e conversas, com as expressões faciais de quem sinaliza, ou com o ritmo do movimento das mãos e o próprio olhar do surdo, nessas mesmas ocasiões, por exemplo, pode resultar numa garantia de aprendizado para o aluno com surdez, sem, no entanto, descartar o conteúdo programado para uma classe que também conta com a presença de ouvintes quando se pretende ensinar tipos de frases, por exemplo. Abaixo, novídeo 6, exemplos de frases afirmativas, negativas, interrogativas e exclamativas em Libras:






8. Unidades mínimas: na língua oral, o fonema; nas línguas de sinais: a Configuração de Mão (CM), a Locação da Mão (L) ou Ponto de Articulação (PA) e o Movimento da Mão (M).


Atenção, sobre configuração de mãos, rever vídeo 2 e, sobre a figura acima, vamos entender: temos a CM em B (ver Alfabeto Manual), o M é de cima para baixo e a L ou PA é entre a altura do tórax e o nariz. Apresentamos tal explicação para mostrar que nós, professor@s, mesmo não dominando a língua de sinais, como é o caso da maioria dos profissionais que estão em classes inclusivas, podemos utilizar tal informação em aulas que não dispensam a presença dos ouvintes. A ideia é que, compreendendo tais parâmetros, possamos:
a) não mais cobrar dos alunos surdos que compreendam a diferença entre letras e fonemas a partir do ouvinte.
b)como esse trabalho intenta trazer formas significativas de ensinar a escrita a surdos e ouvintes em um mesmo espaço e tempo, aproveitar para, de forma paralela, explicar que, assim como um mesmo fonema, a depender de suas combinações, forma sons diferentes, assim também ocorre com os sinais, como no exemplo abaixo:

Mudança de PA, mesmo permanecendo as mesmas CM e M, formam sinais diferentes.



9.  Na LIBRAS ou em qualquer outra língua de sinais, assim como acontece com as palavras nas línguas orais, os sinais também pertencem a categorias lexicais ou a classes de palavras, a exemplo de nomes, adjetivos, verbos e advérbios.

10. A LIBRAS não utiliza os artigos e também as preposições.

11. É comum o surdo não marcar o gênero das palavras, salvo tal informação seja indispensável para a compreensão da mensagem. E como sabemos se estão a se referir a um homem ou mulher? O contexto da situação. Alguns exemplos estão no vídeo abaixo:



12. Sobre os verbos, a sua flexão de tempo será sempre indicada por sinais temporais que irão indicar o presente, o passado e o futuro, como explicam Miranda e Campos****: “Por exemplo, o verbo ESTUDARÁ é indicada pelos sinais ESTUDAR FUTURO/ FUTURO ESTUDAR ou ESTUDAR AMANHÃ / AMANHÃ ESTUDAR.” (MIRANDA; CAMPOS, 2013, p. 485)


São tantas outras diferenças que poderíamos destacar aqui. Mas, preferimos atentar para estas  para mostrarmos que, mesmo sem dominar a Libras, nós professores podemos elaborar aulas pensando nesta como ponto de partida para chegarmos na Língua Portuguesa. Assim, todos, ouvintes e surdos, com certeza, saem ganhando!

* Sobre a Lei 10.436 (em Língua Portuguesa)

*Sobre a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como Língua legal da comunidade surda nacional em Libras

**QUADROS, Ronice Müller de.; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre : Artmed, 2004.

*** Língua Portuguesa

**** MIRANDA, Vanessa Mutti de Carvalho.; CAMPOS, Lucas Santos. Libras e Língua Portuguesa: encontros funcionais. In: Fólio - Revista de Letras, Vitória da Conquista, v. 5, n. 1, p. 475-487, jan./jun.2013. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/folio/article/viewFile/1879/2446>. Acesso em 4 ago. 2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário